Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele:

“ajoelhou, rezou”, “vendeu, garantiu”…

 

“Adquiri a um banco a fracção de um imóvel que a instituição de crédito tomara de um consumidor por incumprimento do crédito hipotecário contratado.

O imóvel começou a apresentar infiltrações de humidade de manifesta gravidade.

Procurei os responsáveis pelo banco que se negaram a assumir qualquer responsabilidade porque, afirmam, não são nem construtores nem promotores imobiliários. E não lhes cabe, afiançam, qualquer responsabilidade pelo facto. Se puder, se quiser, que me demande eu o construtor, que é, em primeira linha, o responsável directo pelos vícios de que padece o imóvel.

Pergunto. o Banco não responde num caso destes em que é, na verdade, o vendedor de um prédio que lhe caiu no regaço pelo incumprimento do devedor?”

Apreciada a vertente situação, cumpre emitir opinião:

1. O argumento amiúde apresentado pelos bancos não é nem original nem singular: é que dizem sistematicamente a mesma coisa sempre que ocorrem situações deste jaez.

2. A Lei das Garantias dos Bens de Consumo (Móveis e Imóveis) aplica-se não só à compra e venda, mas ainda a contratos de

. empreitada

. outras prestações de serviço e

. locação (aluguer e arrendamento, consoante a natureza dos bens, se móveis, se imóveis, respectivamente) (LGBC: n.º 2 do artigo 1.º -A)

3. Afigura-se-nos que se a instituição de crédito promove a venda de imóveis que tem em carteira, terá de os garantir, de harmonia com o que prescreve a lei, não podendo eximir-se ao invocar o seu objecto social, que não é nem a promoção

imobiliária nem as operações de revenda de imóveis, como o fazem as suas homólogas na circunstância.

4. Aliás, se bem que com parecer desfavorável de um professor de Coimbra, já o Supremo Tribunal de Justiça, quanto a nós fundadamente, por acórdão de 29 de Abril de 2014, pelo punho do Conselheiro Gabriel Martim Catarino, decretou:

“I – É vendedor quem mediante a celebração de um contrato vende um bem de consumo a um consumidor final, no âmbito do exercício corrente de uma actividade que se caracterize ou possa ser definida num determinado contexto económico ou de relações comerciais.

II – Uma instituição de crédito que por efeito de dação em pagamento recebe do empreiteiro imóveis e, em seguida, os vende a particulares deve ser considerada como vendedora no âmbito da sua actividade profissional para efeitos de aplicação da Lei de Defesa do Consumidor.

III- Deste modo, tendo-se provado a existência de defeitos nos imóveis vendidos e não sendo ilidida a presunção de incumprimento dos contratos de compra e venda, é a instituição financeira obrigada a repará-los.”

5. Daí que pareça ser de imputar à instituição financeira a satisfação da garantia, talqualmente se faria ao construtor, ao promotor imobiliário ou a outro qualquer vendedor. Sem que lhe seja lícito furtar-se ao seu cumprimento.

6. A garantia dos imóveis é de 5 anos; a denúncia da não conformidade deve ser feita no lapso de 1 ano; dispondo o consumidor de 3 anos contados da denúncia para o exercício do direito de acção, sob pena de caducidade.

7. Para além do cumprimento das obrigações que recaem sobre o Banco no que se prende com a garantia, poderá ter de responder ainda pelos prejuízos decorrentes das recusas como das delongas do procedimento, já que isso tem tradução pecuniária e o consumidor deve ser ressarcido tanto dos danos patrimoniais como dos não patrimoniais causados pelo vendedor (LDC – Lei de Defesa do Consumidor: artigo 12)

EM CONCLUSÃO:

a. Se uma instituição de crédito, que recebeu em dação de pagamento um imóvel de um mutuário em situação de incumprimento, se propuser vendê-lo, assume o estatuto de vendedor.

b. Nessa circunstância, obriga-se a responder pela garantia inerente à compra e venda do imóvel.

c. Provada a existência de vícios de não conformidade, e não sendo ilidida a presunção por lei estabelecida, cumpre à instituição de crédito-vendedora assegurar a garantia, nos precisos termos da Lei das Garantias de Bens de Consumo – DL 67/2003, de 8 de Abril, e posteriores alterações.

d. A garantia é de 5 anos; a não conformidade tem de ser dada a saber em um ano após a consolidação dos indícios; 3 anos contados da data da denúncia para o exercício do direito de acção pelo consumidor, sob pena de caducidade.

e. À actuação da garantia pode acrescer a reparação dos danos “materiais” e “morais” causados na circunstância pela instituição de crédito.