Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

APETÊNCIA: ZERO, nada; APARÊNCIA: vinte, TUDO!

E eu que tanto desespero

Contra esta indecência

Abomino a PUB à ZERO

Lastimo tanta indolência

 

“Numa estratégia de aceitação dos reparos que de todos os quadrantes se vêm fazendo, a HeineKen, patrocinadora oficial dos mais relevantes eventos futebolísticos internacionais, tende a esbater críticas e seus efeitos deletérios apostando na Cerveja 0 (Zero). E, assim, entende naturalmente que  escapa às invectivas, porque deixa de ferir o quadro das ilegalidades que se lhe apontavam. Que os países tudo relevam quando se trata de administrar o “ópio” ao povo através do desporto das multidões. Aliás, quando das transmissões directas da Fórmula Um paga pelas Tabaqueiras Internacionais, as leis de proibição da publicidade ao tabaco suspendiam-se, numa hipocrisia sem precedentes.

Querem meter-nos agora os dedos pelos olhos, dando de barato que a promoção, o patrocínio e a publicidade à cerveja ZERO é lícita?”

HCF – Lisboa

Apreciada a questão, nos seus termos, cumpre responder:

  1. Há, com efeito, quem entenda que não operam as restrições no que às bebidas alcoólicas e sua publicidade respeita. Por se não tratar, em rigor, de “bebidas alcoólicas”, já que delas se acha de todo ausente o álcool.
  2. Aliás, entre nós, o Júri de Ética da Auto-Regulação Comercial, em caso análogo, em relação à Super Bock, fez verter criteriosa decisão que vai ao âmago da questão, que penetra fundo no tema, ao proceder à apreciação de factualidade que de certa feita se lhe suscitara.
  3. O Instituto de Auto-Regulação da Comunicação Comercial, através do aludido Júri, decidiu categoricamente – e com inteiro aplauso -, em 2005, em caso análogo, nestes termos:
  • « (…) é precisamente no domínio das marcas comuns (ou parcialmente comuns), que a encontra um especial campo de actuação para a denominada publicidade indirecta, sendo os objectos com restrições legais à publicidade (v.g. tabaco, medicamentos e bebidas alcoólicas) aqueles que exercem a maior força atractiva neste tipo de publicidade.
  • Para aferir da existência de publicidade indirecta (ou publicidade álibi/pretexto, como alguns mencionarão) deve atender-se à mensagem veiculada, apreciada no seu todo, podendo, especialmente, considerar-se outros critérios, como sejam: a eventual existência duma simultaneidade de campanhas publicitárias de dois produtos com relação entre si, sendo um deles objecto de restrições, quando a publicidade a um deles remete e recorda inequivocamente o outro; o nível de presença que, na publicidade, tem o novo produto comparativamente com o produto a que apela ou recorda, e cuja venda indirectamente promove.»
  • A cerveja sem álcool … explora e beneficia da reputação da cerveja com álcool, produto que persiste presente nas mensagens pelo que, entende o Júri, é indirectamente publicitada na divulgação da cerveja sem álcool, a SUPER BOCK, cerveja com álcool.
  • Entende, assim, o Júri de Ética que, embora o objecto directo da mensagem publicitária seja a SUPER BOCK, cerveja sem álcool, considerando a marca escolhida pela denunciante (SUPER BOCK), o conteúdo da mensagem publicitária, existe uma íntima ligação entre aquele objecto directo da mensagem e uma outra marca do anunciante e objecto publicitário que, indirectamente, beneficia da publicidade: a SUPER BOCK, cerveja com álcool.
  • Em síntese, o Júri avalia estar perante um caso de publicidade indirecta à cerveja com álcool da mesma marca SUPER BOCK e como tal é plenamente aplicável a proibição constante do nº 2 do art.º 17º do Código da Publicidade sendo, para esse efeito e no contexto da publicidade indirecta, indiferente que o consumidor médio percepcione que o produto directamente anunciado seja o produto sem álcool: sempre associará o produto àquele que é indirectamente anunciado e que tem as restrições horárias já referidas.”
  1. Se a publicidade, a um duplo título, indirecta (a da Heineken sem álcool que passa a horas proibidas no pequeno ecrã, sendo que o patrocínio da transmissão é pela marca assegurado de onde emerge a publicidade) se verificar, incorre nas restrições do n.º 2 do artigo 17 do Código da Publicidade, a saber, “é proibida a publicidade a bebidas alcoólicas, na televisão e na rádio, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.”
  2. A contra-ordenação daí emergente é passível de coima e sanções acessórias: coimas de 494 € a 24 939,89 €, se se tratar de infractor pessoa colectiva; interdição de exercer actividade publicitaria, entre outros, até dois anos, como sanção acessória  (sanções suaves, não abrangidas pelas alterações ao regime das contra-ordenações em matéria económica, a estimular de todo o ilícito).