Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

REDUFLAÇÃO: é só um mero “palavrão” ou algo de descomunal que com um requintado “primor” afecta, no essencial, os direitos do consumidor?

 

“Perante a redução da quantidade e, quiçá, da qualidade dos alimentos processados, fenómeno a que se dá o nome de reduflação [que resulta da aglutinação de duas palavras: ‘reduzir’ e ‘(in) flação’], parece que as pessoas são unânimes em considerar que não há, no facto, qualquer ilícito.

Uma dada margarina apresentava-se numa embalagem com 500 gr: a marca reduziu a quantidade de produto, primeiro para 450 e, depois, para 400 gr., mas manteve a embalagem com as mesmas características e a aparência de antanho. E o preço disparou de 3 para 5,54€.

Na base da embalagem, de forma dissimulada, rotulagem com a quantidade actual.

Pergunta-se: não há, com efeito, qualquer ilícito só porque a quantidade alterada consta da rotulagem?”

Cumpre apreciar:

1. Se não houver inteira conformidade entre o produto e os dizeres da rotulagem, a moldura típica em que se enquadra a factualidade subjacente é a da “fraude sobre mercadorias” que o n.º 1 do artigo 23 da Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984 contempla:

“Quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:

a) Contrafeitas ou mercadorias pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas;

b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem,

será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto estiver previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave.”

2. Aliás, ainda que haja, após a redução do produto, conformidade entre a quantidade alterada e o constante da rotulagem, é possível entrever a aplicação de um tal dispositivo porque, sem alteração da embalagem e dos mais elementos, a aparência é a do produto original, com 500 gr., que não a de 400 gr. em que por fim se ‘converteu’, com a manutenção do preço original ou o que é mais, na circunstância, com a sua quase duplicação [de 3 € para 5,54 €].

3. Se a factualidade, porém, não assentar no quadro do crime de fraude sobre mercadorias, há que excogitar se não cabe no enquadramento dos ilícitos de mera ordenação social (nas contra-ordenações económicas), tal como o configura a Lei das Práticas Comerciais Desleais de 26 de Março de 2008, no seu artigo 7.º, sob a epígrafe “acções enganosas”:

“é enganosa [uma qualquer] prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos… e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que de outro modo não tomaria:

§ As características principais do bem ou serviço, tais como a sua disponibilidade, as suas vantagens, os riscos que apresenta, a sua execução, a sua composição…”

4. As omissões enganosas também colhem para efeitos de modelação das práticas comerciais desleais, tal como as recorta a lei, no seu artigo 9.º:

“Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial:

§ Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor;

§ Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação do antecedente referida;

§ Em que o profissional não refere a intenção comercial da prática, se tal não se puder depreender do contexto.

5. A apresentação das embalagens [da imagem física da embalagem] ilude os consumidores porque é em tudo igual à anterior: há que precaver os consumidores contra eventuais “ilusões de óptica”, independentemente da conformidade do produto [composição, qualidade e quantidade…] com a rotulagem.

5.1. A aparência é também elemento decisivo na modelação da fraude… e na decisão negocial que o consumidor vier a tomar.

5.2. A transparência é, por tal modo, preterida, afastada, comprometida…

EM CONCLUSÃO

a. A reduflação [o ‘emagrecimento’ do produto e a manutenção ou a subida do preço] é susceptível de configurar um crime contra a economia se as características da embalagem, por exemplo, forem iguais às da precedentemente usada e a que o consumidor se habituara, e é passível de prisão e multa. [DL 28/84: alínea i) do n.º 1 do artigo 23]

b. Ou é susceptível de configurar, no limite, prática enganosa passível de coima e sanção acessória.[DL 57/2008: alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º ].

Tal é, salvo melhor juízo, a nossa opinião.