Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

Consumo corrente: ‘marcas brancas’ e as preferências que ora concitam

 

O ”Le Figaro”, de sábado último, editado na Cidade Luz, oferecia aos seus leitores dados com efectiva expressão a propósito  do actual momento em que a carestia atinge os produtos das fileiras do agro-alimentar nos distintos segmentos do mercado de consumo. 

E aí se dizia: 

“Os consumidores preferem estes rótulos 24% a preços mais moderados do que os das grandes marcas.” 

“Marque repère” (Leclerc), “Reflets de France” (Carrefour) e “Pâturages” (Intermarché) são quase tão conhecidos pelos clientes destas marcas como Danone, Lu ou Nestlé. 

 Após um período de desinteresse, a popularidade das marcas privadas aumentou acentuadamente. Durante a crise sanitária, os consumidores tinham procurado conforto e tranquilidade junto das suas marcas nacionais favoritas. Nutella, Président e Caprices des Dieux… raramente se tinham saído tão bem. 

Mas as prioridades dos consumidores mudaram. Com o aumento dos preços nos supermercados, o preço tornou-se mais uma vez o principal critério de compra. No entanto, as marcas privadas são 24% mais baratas do que a média dos produtos vendidos nos supermercados.” 

O facto é que é surpreendente o que ocorre com os preços dos produtos do cabaz elementar e os inesperados lucros das empresas da grande distribuição alimentar, os tais “lucros caídos dos céus”, que os governos e, em particular, o que remanesce entre nós, relutam em “taxar”. 

Relutam em taxar e, perante os efeitos da beligerância ocorrente que tudo condiciona, mostram-se indiferentes e relapsos no que tange à limitação das margens de lucro num cabaz alimentar que importaria se aferisse em função das necessidades básicas de cada um e todos e de uma dieta nacional desenhada em função de critérios de base científica que fácil seria decerto descortinar e definir… 

Se a tão decantada “responsabilidade social” tivesse conteúdo, decerto que as insígnias de renome (que partilham quase que de modo concertado, entre si, o mercado) não apresentariam preços tão especulativos que não escolhem o universo alvo a que se dirigem: paga por uma lata de atum tanto o pobre como o rico. E o atum, para além dos lucros que proporciona e da reduflação que eventualmente tende a  envolvê-lo, encarece mais ainda porque em razão dos desvios a que se expõe, por ser produto popular que pode ser confeccionado de mil maneiras,  tem de vir com um alarme anti-furto para que a mole imensa dos que à míngua de meios intentam dessa forma iludir a fome sejam barrados à saída das caixas para que apresentem contas à Justiça… 

Ao menos, se os detivessem por longo tempo, poderiam as vítimas da fome comer, nesse ínterim, à conta das sopas do presídio, mas libertam-nos de seguida, a aguardar julgamento, para que a “famina” os devore… 

E nem sequer as escusas do Chefe de Estado [à semelhança de um seu predecessor que jurava a pés juntos que os portugueses não são nem corruptos nem tratam por tu a corrupção…] – com o fundamento de que somos todos honestos e bem comportados – colhem porque, afinal, não se “faz mão baixa” a produtos sumptuários, mas a coisas tão elementares como a uma carcaça ou uma lata de atum. 

Aliás, até talvez tenha razão o primeiro magistrado da nação. Se quem tem fome se juntasse aos magotes e hordas indefinidas fizessem ‘arrastões’ aos bancos ou aos hipermercados, esvaziando-lhes cofres fortes e gôndolas para depois se locupletarem com os proveitos dos roubos e das vendas, talvez o fenómeno pudesse ser perspectivado de modo diferente… 

São tão inábeis os pobres que se limitam, com efeito, a fazer ‘mão baixa’ a coisas insignificantes, mas que exigem, afinal, redobrados cuidados de segurança: não a segurança intrínseca do produto analisada pela sua composição (em momento em que a depreciação qualitativa dos produtos, como o proclama a Comissão Europeia, se acha em voga e urge combater veementemente…), mas a segurança física do produto, não vá alguém subtraí-lo para matar a barriga da fome!  

Quantas latas de atum cabem nos tão decantados 125 € de “bónus”, como todos lhes chamam, que  os meios se habituaram a fazer coro com o Governo, que mais não são, repartidos pelos 12 meses do ano, que meros 10,40€ /mês? 

Sim, 10,40 €, que os fazedores da imagem do Governo convertem em valor de “encher o olho”, como se fora creditado em conta mês a mês o montante global ora atribuído… 

Os cálculos serão, com efeito, simples de fazer: 

Uma lata de atum (posta) de 250 gr, peso líquido (tamanho familiar?), custa cerca de 4,70 €; logo, o famigerado “bónus” mensal dá para 2, 2 latas… 

Se for de uma das marcas tradicionais, em limão e jindungo, por exemplo, ao preço por unidade de 2,90, sempre se leva para casa quase 3 latas e meia… para o consumo do mês! 

Se em vez de atum se apontar para o bacalhau (o eterno mito do alimento dos pobres, dadas as mil e uma maneiras de o confeccionar, poupando-o na mistura com outros ingredientes), os 10,40€ já não chegam para um quilo do graúdo (de 12,00 a 13,00 €/ Kg) … antes para o escamudo… que é uma espécie ‘degenerativa’ que espíritos menos despertos e atreitos às sugestões e embustes confundem com a original!  

Os poderes tendem a dissimular o clima envolvente, fazendo crer que o mercado funciona normalmente [e não se pode afrontar o sistema de economia de mercado, qual dogma irremovível…] quando os condicionamentos são de monta e se reflectem designadamente nos preços, como a ninguém escapa! 

Condicionar as margens no comércio por grosso e no retalho, como se faz em circunstâncias análogas, não é crime contra o mercado em linha concorrência. 

Crime é ignorar o momento, as circunstâncias, e remeter os pobres para os furtos envergonhados da carcaça e da lata de atum!