Artigo de Opinião
Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra
Haja, senhores, o que houver, é que p’ra “esse” eu já dei, mas no que toca ao couvert… só há que cumprir a lei!
“Surpreendi-me ao ler, num restaurante no Porto, um papel com o logotipo da Deco-Proteste, Ld.ª, em que se diz que, nos termos da lei, o consumidor não tem de pagar o couvert se o não solicitar. Mas se comer os aperitivos que o formam, que constituem o couvert, tem de os pagar porque ao recusar-se a fazê-lo há nisso abuso de direito de sua parte.
E diz mais: “quem cala consente, mas se trincar consente mais”…
Então, em que ficamos?”
Apreciada a questão, algo surpreendente, aliás, cumpre responder:
1. Já a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996, no n.º 4 do seu artigo 9.º, prescreve:
“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”
1.1. A razão de ser da norma é, por um lado, a de isentar, nestas circunstâncias, o consumidor de quaisquer encargos e, por outro, a de
penalizar o fornecedor pelos abusos decorrentes da imposição de um produto ou serviço a quem dele não carece e que o não solicitou nem encomendou. Contra a velha teoria, adoptada nestas circunstâncias, do enriquecimento sem causa do destinatário do bem, que cumpre aqui recordar e que fazia as delícias dos professores de Direito, nas suas distintas modelações.
2. O DL 10/2015, de 16 de Janeiro, que rege em matéria de actividades de comércio, serviços e restauração, diz expressamente no seu artigo 135:
“1 – Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:
a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;
b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.
2 – Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.
3 – Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.
…”
3. Frustrar-se-ia o objectivo da lei, que é o de penalizar os abusos cometidos no tráfego jurídico pelos fornecedores, que se “adiantam” desse modo para avolumar os seus réditos, se se entendesse que o consumo pelos consumidores dos aperitivos, na circunstância, ou a retenção de um livro enviado e não encomendado, por exemplo, noutra qualquer situação, constituísse “abuso de direito” de banda do consumidor: seria o esvaziamento do sentido e alcance da norma.
4. Não tem, pois, qualquer sentido o que a antena da multinacional “Euroconsumers, S.A., a tal Deco-Proteste, Ld.ª, anda para aí a propalar, para agradar aos empresários, seus pares no comércio, pretendendo subtrair direitos aos consumidores, alvo dos seus constantes logros no dia-a-dia.
5. Daí que os consumidores devam ignorar os dislates destes “aprendizes de direito”, que outros disparates propagandeiam em detrimento do consumidor, no seu afã de vender os produtos e serviços das gamas que comercializam, contra o que apregoam aos sete ventos [que são ”a maior organização de consumidores do País”], no que convencem muita gente e as entidades oficiais, que omitem a sua intervenção, não pondo cobro a todas as patranhas que o facto envolve, contra o seu estrito dever funcional.
6. Se os aperitivos forem fornecidos sem haverem sido solicitados, ainda que os consumam, ainda que os inutilizem, não terão os consumidores de os pagar: e mandem ‘dar uma volta’ aos vendilhões do templo que por aí confundem deliberadamente toda a gente e quem os segue, na cegueira que vem imperando…
EM CONCLUSÃO
a. Se o consumidor não solicitar, não encomendar os aperitivos que constituem o couvert e tal lhe for servido, consumindo-os ou não, inutilizando-os ou não, não terá de os pagar.
b. Tal não constitui, como o pretende, com eco, a tal Deco-Proteste, Ld.ª, que ora na desinformação investe, “abuso” de direito de banda do consumidor.
c. O escopo da lei não é o de penalizar o consumidor, mas o fornecedor pela sua ousadia, pelo seu atrevimento, pela sua ganância: e cumpre denunciar a ignorância!