Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

Na orla… pão e água de borla 

 

Na Costa (Nova), na orla,

Sem um pedido sequer

O pão e a água de borla…

E o que houver no ‘couvert’!

Por ganância ou ignorância?

 

Um restaurante na Costa Nova (Ílhavo) muito afreguesado.

Eis que nele se instala, num domingo soalheiro, um casal: na mesa, um prato com fatias de pão com distintas características e uma garrafa de água. Os acepipes, os aperitivos surgiram depois, numa ampla bandeja com uma variedade de mariscos, patés, azeitonas, manteigas… e a pergunta sacramental: são servidos? Ao que em uníssono a dupla de comensais declinou.

De imediato, um dos membros do casal louvou um tal procedimento porque o pessoal não se limitou a dotar a mesa de aperitivos não solicitados, cobrando-os naturalmente no fim, de modo ilícito, quer fossem consumidos, quer não. Como vem acontecendo por aí. Mas faziam o elementar: perguntavam aos clientes se eram ou não servidos. Como deve, aliás, suceder.

O facto é que, no final, a factura, como parcelas, apresentava, entre outras,

  • Pão………… 1,50 €
  • Água……….. 1,50 €

E um dos pratos, em lugar de 16 €, que era o preço na carta, surge com 17 €.

O marido pede a “carta” (a lista de preços) e verifica que dela não consta, como manda a lei, a transcrição do que se contém no n.º 3 do artigo 135 do Regime Jurídico do Acesso e Exercício do Comércio, Serviços e Restauração de 16 de Janeiro de 2015.

E chama pedagogicamente a atenção para o facto.

O que reza o artigo 135 de um tal Regime Jurídico?

“1 – Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:

  1. a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;
  2. b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.

2 – Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.

3 – Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.

…”

Por conseguinte, da “lista de preços” tem de constar, para conhecimento dos consumidores, que não terão de pagar o que não encomendaram, ainda que o consumam ou inutilizem (debiquem e deixem ficar o resto…).

O facto é que a inobservância do que aqui se estatui (a inserção na ementa, no cardápio, na lista de preços, de uma tal menção), constitui ilícito de contra-ordenação grave passível de coima que, no caso das micro-empresas (até 10 trabalhadores) tem como montante mínimo os 1.700 € e, máximo, o de 3.000 €.

E a cobrança do indevido, a saber, do pão e da água não solicitados e do prato por valor superior ao indicado na Carta, na lista de preços, configura crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984: n.º 1 do artigo 35:

“ 1 – Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:

  1. c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço

…”

Por conseguinte, o louvor de um dos membros do casal foi extemporâneo porque, no fim de contas, as ilegalidades foram de sobra…

Os aperitivos só não figuravam na mesa porque a bandeja tinha proporções anormais… se não, o destino seria o do pão e da água.

Cultura empresarial, reclama-se! Cultura empresarial, precisa-se!

Mas isto acontece por ganância ou por ignorância?