Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

A OBSOLESCÊNCIA É CRIME EM FRANÇA

E, EM PORTUGAL, QUAL A USANÇA?

OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA,

Ardilosamente estabelecida,

É “trama” bem arquitectada

Pelos vis ‘tratantes’ desta “vida”…

 

Com efeito, a obsolescência programada, em França, constitui um crime com a correspondente moldura penal:

“É proibida a prática da obsolescência programada, que se define como a utilização de técnicas, incluindo programas informáticos, através das quais o responsável pela colocação de um produto no mercado procura deliberadamente reduzir o seu tempo de vida útil”. (Code de la Consommation: art.º L 441- 2)

E desde 2015 que o é, cominando-se para uma tal factualidade pena de prisão de dois anos e multa de 300 euros, susceptível de atingir até 5% do volume de negócios da empresa e bem assim a interdição da actividade económica.

Porém, entre nós, em Portugal, a obsolescência não é crime.

O princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor, com assento na Constituição da República, visa garantir o consumidor, em todos os actos de consumo, contra artifícios, sugestões e embustes susceptíveis de ocorrer mercado e, por conseguinte, de ofender a sua dignidade e prejudicar a sua bolsa.

E a proibição da obsolescência precoce como da programada tem desde 10 de Dezembro de 2021 (DL 109-G/2021) expressão na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, dada a redacção do n.º 7 do seu artigo 9.º (alterado a 04 de Julho em curso pela Lei 28/2023) , cuja vigência se protraiu para 28 de Maio de 2022:

“É vedada ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a adopção de quaisquer técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da prestação de serviços que inclua um bem de consumo.”

Este dispositivo refere-se à obsolescência programada, que constitui crime em determinados ordenamentos, como em França, como se aludira. E muito justificadamente.

E o que é a obsolescência programada?

É, na sua essência, a pré-determinação do ciclo de vida de um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse já, na sua matriz, a concreta data da sua morte. Como se no momento do lançamento no mercado, se fizesse acompanhar já de uma certidão de óbito…, com a data em que o produto entrega a ‘alma ao criador’.

A Nova Lei das Garantias, que entrou em vigor no 1.º de Janeiro de 2022, num artigo interpretativo da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor (o 21), diz a propósito da disponibilidade de peças para que não haja descontinuidade dos bens:

“… o produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem.”

“No momento da celebração do contrato, o fornecedor deve informar o consumidor da existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável e, no caso dos bens móveis sujeitos a registo, da existência e duração do dever de garantia de assistência pós-venda.”

Há que combater, denunciando, todas as situações que cheirem, que tresandem a obsolescência programada ou às manobras do comércio para substituir em vez de proporcionar a reparação.

Manobras que por aí abundam, de resto.

Urge porque a sustentabilidade o reclama veementemente… em nome, afinal, da vida! Tão simples quanto isso!

E nem sempre disso o vulgar dos mortais se apercebe, na voragem do consumo (a despeito das consabidas dificuldades de tantos!) e das novidades que aprisionam a bolsa e a tornam cativa.