Artigo de Opinião

Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra

 

Descarte de responsabilidade é de mau tom, é patente irresponsabilidade, é grave ausência de dom…

 

Uma simples lavagem em período estival numa estação de serviço Galp, frente ao Coimbra Shopping. Maior relaxe. E a atenção, em dilatado compasso de espera, a repousar sobre um enorme cartaz…

Depois de um sem-número de especificações, o remate:

“Não nos responsabilizamos pelos danos causados no veículo, no seu equipamento ou conteúdo, resultante do uso deste serviço.”

Análogo a tantos outros esparsos pelas estações de serviços GALP com lavagem automática de veículos automóveis.

E nós, numa dada rede, indagámos sobre se os procuradores da República não frequentam tais espaços e disso se não apercebem.

Porque poderiam naturalmente instaurar um inquérito “administrativo” em ordem a apurar se tal exclusão de responsabilidade viola ou não a Lei das Condições Gerais dos Contratos (e para posterior instauração da acção inibitória se a GALP se não propusesse retirar uma tal exclusão dos painéis em que se inserem).

E, com efeito, uma tal exclusão viola a lei. Sem sombra de dúvidas!

Eis o que estabelece imperativamente a Lei das Condições dos Contratos no seu artigo 18, a saber,

“São em absoluto proibidas, designadamente, as [condições] gerais que:

a) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas;

b) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros;

c) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave;

d) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave;

…”

A Comissão das Cláusulas Abusivas ainda não foi sequer constituída, ao que se julga saber. E passaram mais de 3 anos (três anos, leu bem!) sobre o dia 26 de Julho de 2021 em que tal deveria ter sido concluído com sucesso.

Para além do mais, uma condição geral do estilo constitui hoje em dia (depois da reforma de 10 de Dezembro de 2021, retocada em 03 de Março de 2023, como imposição da UE) uma contra-ordenação económica muito grave passível de coima, que é uma sanção pecuniária, imposta pelo legislador europeu e ajustada ao nosso singular sistema de ilícitos.

A grelha das contra-ordenações económicas muito graves, em função da dimensão da empresa, é a que segue:

> Micro-empresa (até 9 trabalhadores, inclusive) – 3 000 a 11 500 €;

> Pequena empresa – (de 10 a 49) – 8 000 a 30 000 €;

> Média empresa (de 50 a 249) – 16 000 a 60 000 €;

> Grande empresa ( com 250 ou mais) – 24 000 a 90 000 €.

Na determinação da coima, a entidade competente tem em conta, para além do que noutros lugares se dispõe:

> A natureza, gravidade, dimensão e duração da infracção cometida;

> As medidas eventualmente adoptadas pelo infractor para atenuar ou reparar os danos causados aos consumidores;

> As eventuais infracções cometidas anteriormente;

> Os benefícios financeiros obtidos ou os prejuízos evitados pelo infractor em razão da concreta infracção em presença…

De qualquer sorte, a escusa da GALP das suas responsabilidades, a escâncaras e ante o silêncio do “sistema”, reflecte bem o quanto precisamos de instituições actuantes e de um efectivo sistema de defesa do consumidor, que é coisa que não existe, entre nós, com rigor e de modo estruturado.

Desafortunadamente!