Artigo de Opinião
Dr. Mário Frota, Presidente do Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo
A Litigância Retaliatória com a mão à palmatória…
Em que se traduz a “litigância retaliatória” (SLAPP)?
“(Strategic Lawsuit Against Public Participation): estratégia legal adoptada para intimidar e silenciar indivíduos ou grupos que exercem seus direitos cívicos ao denunciar, criticar ou participar em debates públicos em torno de questões de interesse geral. Em termos simples, mais não é do que o recurso abusivo ao sistema judicial para retaliar quem denuncia irregularidades ou exerce o seu direito à liberdade de expressão.”
Entendemos, há anos, numa das costumeiras intervenções nos media (em ‘folha de couve’ que circulava sob o título “Cadernos ACOP”, de restritíssima difusão), dizer algo do estilo perante a inacção funcional (e o mais) de uma dada instituição da administração (sem a nomear):
“Para se ser dirigente da Administração Pública não basta saber ler, escrever ou contar… É preciso mais, muito mais!
Nem sequer comer já de “faca e garfo” nos opíparos banquetes serviços à mesa do orçamento”! É preciso mais, muito mais!
Tão pouco balbuciar regras de etiqueta em manual de cortesia adrede comprado no alfarrabista da esquina! É preciso mais, muito mais!
O texto prosseguia nesta toada para, como remate, dizer:
“Como previnem os ingleses, ‘as maçãs podres estão a tomar conta do cesto’… desafortunada, preocupantemente!”
Ora, o presidente da tal instituição, ‘mancomunado’ com o secretário de estado da tutela, que anda por estes dias nas bocas do mundo por acções decerto ‘exemplares’ no exercício de funções públicas que desempenhou em Portugal, participou ao Ministério Público o facto por entender (“enfiando o barrete”, como sói dizer-se de modo menos erudito…) tratar-se de “abuso de liberdade de imprensa com ofensa de pessoa colectiva pública”.
(Soube-se, mais tarde, que o Estado pagava a uma agência de informação privada para nos seguir os passos, registando todas as nossas intervenções em jornais, revistas, rádios, televisões, em conferências ou em palestras, fosse onde fosse…).
E, numa descolorida “folha de couve”, a tal agência, paga por todos nós, acabara por desencantar o ‘pecaminoso escrito’…
O processo andou anos a fio de Herodes para Pilatos (com o que de corrosivo as delongas têm… para os neles visados) e, não fora a circunstância de se haver logrado encontrar, na Relação de Lisboa, um procurador da República culto e responsável e a coisa ter-se-ia arrastado num ror interminável de trâmites com um extraordinário gravame para o “arguido” e consequências inusitadas…
E o letrado Procurador, invocando do Vate as Éclogas a D. António de Noronha, fundamentara:
“Que monta mais mandar que ser mandado?
que monta mais ser simples que sabido,
se tudo enfim tem término forçado,
se tudo está aos Fados sometido?
Do mando o temor vem que experimentado
assi foi por Democles e entendido.
Do saber, como o canta Salamão,
vêm os trabalhos, vem a indignação.”
E mandou arquivar os autos que se passearam pelas estantes bolorentas da Relação de Lisboa ao longo de um ror de tempo…
Teceu, na circunstância, um sem-número de considerandos que se traduziram num encomiástico louvor público à actividade por nós desenvolvida, no seio da instituição que criáramos e a que nos consagrámos em plenitude desde sempre.
Foi, aliás, o único louvor público que ao longo de 45 anos de intervenção pública se registou no nosso “curriculum (ou “cadastro”?), em Portugal, eivado de perseguições injustas e ignóbeis por não mais se pretender que servir… servir desinteressadamente, em “actividade prenhe de manifestações inteiramente estimuladas por sentimentos que não por vencimentos”!
A que propósito nos vêm à memória estas amaras recordações?
Às instituições da sociedade civil (como aos jornalistas) pareceria vedado intervir sempre que o entendessem, perante a ameaça do ‘cutelo sobre a cabeça’ pelas acções retaliatórias do comércio e dos serviços, como da própria administração pública, alvo de reparos pela actividade desviante a que se remetem com gravame para a generalidade dos cidadãos…
Na forja a transposição da Directiva (UE) 2024/1069 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Abril de 2024, sob a epígrafe “protecção das pessoas que participam em acções judiciais públicas contra reclamações manifestamente infundadas ou processos judiciais abusivos («Acções judiciais estratégicas contra a participação pública»)” que ora pende seus termos: com entrada em vigor aprazada para 07 de Maio de 2026.
Quanto mais cedo, melhor!
Porque a perseguição a quem ousa intervir… não tem limites!
Que o diga Paulo de Morais!