Artigo de Opinião
Publicado no Suplemento de Seguros, do Jornal VidaEconómica, a 10 de Outubro de 2025.
Diretor Geral da DefendeRisk Consultoria, Engenheiro Lúcio Pereira da Silva
Quando o seguro de lucros cessantes é uma confusão sem fim
O seguro de lucros cessantes, embora fundamental para a continuidade dos negócios após um sinistro, é frequentemente fonte de confusão, frustração e litígios entre as partes envolvidas. Empresários, corretores e seguradoras encontram-se frequentemente num labirinto de cláusulas subjetivas, interpretações divergentes e expectativas desalinhadas com o propósito da apólice. No entanto, este tipo de seguro, que deveria ser um instrumento de proteção para a empresa, acaba por se tornar um problema sem fim.
O seguro de lucros cessantes tem como objetivo indemnizar o segurado pela perda de receita decorrente da diminuição da atividade, que pode ser uma interrupção parcial ou total das operações da empresa após um sinistro garantido pela apólice contratada, como incêndio, tempestades, avarias de máquinas, risco elétrico ou falhas operacionais. Este seguro garante não apenas os lucros que deixaram de ser obtidos, mas também as despesas fixas que continuam a existir mesmo com a paralisação, como salários, aluguer e contratos de fornecimento de eletricidade, entre outros.
A confusão começa já no momento da contratação. Muitos empresários não compreendem totalmente o que estão a contratar. A apólice exige uma análise cuidadosa da operação, projeções financeiras realistas e uma definição clara do período de indenização. No entanto, é comum que essas etapas sejam negligenciadas ou tratadas com superficialidade.
Além disso, há uma dificuldade recorrente em distinguir entre o seguro patrimonial e o de lucros cessantes. O primeiro cobre os danos físicos ao património; o segundo garante os impactos financeiros da paralisação. Quando ocorre um sinistro, o foco
inicial é na reconstrução física, e o prejuízo financeiro acaba sendo subestimado ou mal dimensionado.A regularização de sinistros é uma confusão e uma dor de cabeça para qualquer empresário que se veja numa situação de sinistro com a garantia desta cobertura.
Após o sinistro, começa o verdadeiro teste de stress da apólice. A regularização de sinistros de lucros cessantes exige uma perícia contabilística cuidadosa, com base em documentos financeiros, históricos de faturação, contratos e projeções financeiras e contabilísticas. É nesse momento que surgem os conflitos: divergências sobre o valor real dos lucros perdidos, o tempo necessário para retomar as atividades e a influência de fatores externos (como sazonalidade ou crises económicas).
A seguradora, por sua vez, procura limitar a sua exposição aplicando cláusulas de carência, franquias, limites máximos de indenização e exclusões. Já o segurado, muitas vezes sem apoio técnico adequado, sente-se prejudicado por uma interpretação rígida e burocrática da apólice contratada.
Os corretores e agentes têm um papel crucial na prevenção da confusão. São eles que devem orientar o segurado na contratação, ajudando a dimensionar corretamente o capital a segurar, o período de indenização e as coberturas adicionais. No entanto, nem sempre esse papel é exercido com a profundidade necessária. A falta de especialização ou o foco excessivo na venda podem resultar em apólices mal estruturadas, que não atendem às reais necessidades do negócio.
Vejamos, por exemplo, uma situação académica: uma indústria sofre um incêndio e fica paralisada durante seis meses. A apólice de lucros cessantes previa um período de indenização de apenas três meses, com capital seguro subdimensionado. O resultado é um prejuízo para a empresa, que recebe uma indenização insuficiente, acumula dívidas e perde o seu mercado. Noutro caso, uma loja de retalho sofre uma inundação, mas a seguradora contesta os valores apresentados, alegando que a quebra nas vendas já vinha ocorrendo antes do sinistro.
Esses exemplos ilustram como a falta de planeamento, de conhecimento técnico e de alinhamento entre as partes pode transformar o seguro de lucros cessantes numa verdadeira confusão sem fim à vista.
Para que o seguro de lucros cessantes cumpra o seu papel de forma eficaz, é fundamental realizar uma análise financeira detalhada da empresa antes da contratação da apólice. Definir claramente o período de indenização com base no tempo estimado de recuperação da empresa é essencial para uma boa contratação. Ter apoio técnico especializado, tanto na contratação quanto na regularização de sinistros, é indispensável para compreender todas as cláusulas da apólice, inclusive as exclusões e franquias.
O seguro de lucros cessantes é uma ferramenta poderosa na gestão de riscos, mas a sua eficácia depende de planeamento, conhecimento técnico e alinhamento entre as partes envolvidas — segurado, agente e seguradora.
O apetite ao risco por parte dos administradores ou gerentes deve ser equilibrado, de modo a que, em caso de sinistro, não falhe o controlo da gestão financeira e contabilística da empresa. O que deveria ser uma solução não deve transformar-se numa confusão sem fim, com prejuízos financeiros, desgaste emocional e perda de confi ança no sistema segurador, ao qual, inúmeras vezes, este está alheio e distante.
A chave está em tratar esse seguro com a seriedade e a profundidade que ele exige, desde o primeiro momento — ou seja, desde a intenção de contratá-lo.